Foi quando passei as pontas dos meus dedos trémulos ao longo das tuas costas nuas que recebi a ternura melancólica do fim de tarde de verão, ainda vivia eu num doloroso inverno. O sol ia-se escondendo, tímido e sonhador, atrás do horizonte. Então percebi: a lua era, afinal, um pedaço do nosso céu.
Vinha com a pressa dos heróis. Estacionou a moto em frente às lombadas e olhou em volta, preocupado, enquanto tirava o capacete. Os livros miraram-no com desdém, pois nunca viram com bons olhos estas fugas esporádicas. Personagem que se preze, jamais abandona a sua história. Mas aquele herói é jovem; desde que herdou a moto do avô, nunca mais teve sossego. Nessa noite parecia perturbado em demasia. Lia-se nos seus gestos e no olhar de rima fácil, na confusa e (...)
A Sorte virou-lhe as costas. Foi embora. Deixou a voz de falsete colada às paredes ansiosas, lançou-lhe uma mirada míope, carregada de desdém e partiu. Ele sempre desejou a Sorte, com a força de todos os sentidos. Femeeiro como é, até esqueceu a frigidez e torpeza da figura. Que todos querem, sem sequer lhe conhecerem o empinado nariz, pendurado num rosto de sorrisos omissos, como um recital de doidos. Ego absurdo, vida celibatária. Atirou-lhe, como quem liberta (...)
Estava sentada à mesa do café. Pelos gestos e pela inquietação do seu rosto, parecia sozinha, mas não estava... não podia estar! Algo haveria de causar-lhe tanta perturbação. Os dedos finos e graciosos deambulavam entre a chávena vazia e o maço dos cigarros. Quanto ao olhar, parecia um sensor de movimentos, num tom azulado, varria o espaço entre a porta e a mesa. Ele veio! Beijaram-se apressadamente e sairam. Devido à pressa, esqueceu a caixa dos cigarros em (...)
Escondem-se das pombas e de todos os animais que transportem frieza no olhar. Contornam as bazucas, percorrem Ceca e Meca, sempre de costas voltadas para o sol; enrolam-se sobre si próprias. Claro, tanta flexibilidade é fruto da inexistência de coluna vertebal! Assim a minhoca chegou aonde quis. A terra, húmida e fria, parece ter sido feita para ela dar azo às convicções ambíguas. A terra é dela. E o mundo não será um grande amontoado de terra, cercado pelo mar?
Vestiu-se de branco, virou costas e partiu. Disse-me que ia passar o Fim de Ano a um lugar alegre, com gente animada. Que queria acção, imaginação; estava farta de abúlicos. Eu, de pijama, enterrado no sofá, com um livro nas mãos, observava. Telefonou a um laparoto que a veio buscar à porta de casa. Desceu e foram avenida abaixo de braço dado. Antes de pegar na carteira, também branca, e dizer adeus, deu-me um beijo na testa. Desejou-me Bom Ano. Estava feliz. Eu, não. Por (...)
Encontrei-te de madrugada, numa esquina onde se filtra o tempo. Queria envolver o teu corpo com os meus braços, mas só me lembro de ouvir-te dizer: "vai-te embora e toma um café bem forte...."
De olhos fixos no sol que nascia devagar, partilhámos o silêncio. E ouvimos o som ausente de um violão sem cordas. Quando o meu olhar encontrou o teu, o ruído envolveu-nos com mais força. Calada, chamaste-me; parado, fui ter contigo. E assim nasceu um belo dia de verão.
O homem tinha o olhar perdido no horizonte e o rosto vincado pelo tempo e má sorte. Chegou afogueado, talvez do cansaço; respirou com alívio ao descarregar no solo o saco de serapilheira que trazia às costas. Pousou-o mesmo em frente ao recepcionista da pensão. - Parece pesado, senhor! É a sua bagagem? - Não - respondeu o homem - é um amor impossível. - Como? Amor impossível?! - Sim. - Mas...mas...vai-me desculpar..mas não há amores impossíveis. Os amores ou (...)
Alguém imaginará que a Sombra alimenta um amor incondicional pelo Sol? Certamente que não. Amor? Sim amor, ou, vá lá, uma espécie de amor que poucos entendem. Mas será esse amor correspondido? Ora aí está o drama: não, não é. O Sol é um astro egoísta e , se pudesse, não dava qualquer oportunidade à aproximação da sua leal Sombra . Um destes dias, em que o verão e o inverno andaram em discussão acesa, quase chegando a agredirem-se, o Sol aproveitou a confusão e (...)