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DeSaCeRtO

Histórias, estórias, verdades, ficções, autores, artistas, literatura e música. Diversidade sem tabus

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Histórias, estórias, verdades, ficções, autores, artistas, literatura e música. Diversidade sem tabus

16 Jun, 2022

Passado

Jorge Santos

A voz cavernosa do Passado perseguia-o; todos os dias, a todas as horas. Estivesse acordado ou a dormir.   Sussurrava-lhe ao ouvido: "O Futuro não existe sem mim!".   E na imensidão das noites sombrias, ele tentava matá-lo. Ao Passado. A tiro, à faca e até ao esquecimento. Nada!   O Passado sabia esconder-se muito bem, era perito em ficar atrás, escudando-se em Desejos defeituosos, Ilusões histéricas ou Sonhos ensonados.   Ambos sabiam que teriam de ajustar contas. E, ao invés (...)
16 Jun, 2022

Rua

Jorge Santos

  Cansada de ser pisada, encolheu-se e voltou para trás. Quem? A Rua. Sim, a Rua...aquela.   Como um rio que desaguava numa extensa e ampla avenida, a Rua deixou de ser a mesma. Agora, nem Rua é. Foi tão grande a revolta  que deixou à vista as pedras e terra sobre as quais assentou durante tantos anos. Uma desolação. Um drama.   Quando nem as ruas resistem à multiplicidade dos excessos, é porque quem as fez também está desejoso de voltar atrás e começar tudo de novo. E (...)
16 Jun, 2022

Adiado

Jorge Santos

Entre montanhas de Esperanças vai correndo, pachorrento, o Rio da Felicidade. O Mar das Concretizações, lá longe, espera-o com ansiedade disfarçada. De pé, nas margens próximas da foz, as pessoas lançam-lhe os Sonhos, como quem atira a linha à espera que o peixe pique.   No céu, nuvens ameaçadoras pintam a alegria em tons de cinza; e as gaivotas rumam a terra em voos rasantes aos campanários, buscando outras cores.   E as pessoas recolhem o Sonhos, que permanecem adiados, (...)
13 Mai, 2022

Cores

Jorge Santos

  Quando o sujeito passa, quem para ele olhe, fica pintado das mais diversas cores. Mulheres, quase todas; homens, muitos. Acabam o dia com o rosto tingido e com a roupa a adoptar colorido diferente do que ostentava de manhã ao sair do armário.  Mais importante, muito mais!, do que a coloração superficial é a profundidade que as cores atingem. Quem perder alguns minutos a olhá-lo atentamente, até a alma, habitualmente escura ou pintada de branco sujo, ganha uma paleta de mil (...)
13 Mai, 2022

Alegria

Jorge Santos

  Na Rua dos Alegres vive um homem sem sono. Procura o motivo da felicidade dos vizinhos, enquanto  dormem durante a noite. Como sofre de insónia permanente, também não consegue alegrar-se, seja com o que for. Ou com quem for. Dizem-lhe que é de não dormir há tanto tempo. Não! Ele sabe.   É triste porque gastou toda a alegria que o Criador lhe deixou de herança vital.  Quando essa tragédia o visitou, deixou de dormir. O homem sem sono nunca imaginou que a alegria (...)
12 Mai, 2022

Arrepio

Jorge Santos

Foi quando passei as pontas dos meus dedos trémulos ao longo das tuas costas nuas que recebi a ternura melancólica do fim de tarde de verão, ainda  vivia eu num doloroso inverno. O sol ia-se escondendo, tímido e sonhador, atrás do horizonte. Então percebi: a lua era, afinal, um pedaço do nosso céu.
12 Mai, 2022

Refúgio

Jorge Santos

Vinha com a pressa dos heróis. Estacionou a moto em frente às lombadas e olhou em volta, preocupado, enquanto tirava o capacete. Os livros miraram-no com desdém, pois nunca viram com bons olhos estas fugas esporádicas. Personagem que se preze, jamais abandona a sua história.   Mas aquele herói é jovem; desde que herdou a moto do avô, nunca mais teve sossego.   Nessa noite parecia perturbado em demasia. Lia-se nos seus gestos e no olhar de rima fácil, na confusa e (...)
12 Mai, 2022

Sorte

Jorge Santos

   A Sorte virou-lhe as costas. Foi embora.   Deixou a voz de falsete colada às paredes ansiosas, lançou-lhe uma mirada míope, carregada de desdém e partiu.   Ele sempre desejou a Sorte, com a força de todos os sentidos.   Femeeiro como é, até esqueceu a frigidez e torpeza da figura. Que todos querem, sem sequer lhe conhecerem o empinado nariz,  pendurado num rosto de sorrisos omissos, como um recital de doidos.   Ego absurdo, vida celibatária. Atirou-lhe, como quem liberta (...)
12 Mai, 2022

Pressa

Jorge Santos

   Estava sentada à mesa do café. Pelos gestos e pela inquietação do seu rosto, parecia sozinha, mas não estava... não podia estar! Algo haveria de causar-lhe tanta perturbação.   Os dedos finos e graciosos deambulavam entre a chávena vazia e o maço dos cigarros. Quanto ao olhar, parecia um sensor de movimentos, num tom azulado, varria o espaço entre a porta e a mesa.   Ele veio!   Beijaram-se apressadamente e sairam.   Devido à pressa, esqueceu a caixa dos cigarros em (...)
12 Mai, 2022

Minhocar

Jorge Santos

   Escondem-se das pombas e de todos os animais que transportem frieza no olhar. Contornam as bazucas, percorrem Ceca e Meca, sempre de costas voltadas para o sol; enrolam-se sobre si próprias. Claro, tanta flexibilidade é fruto da inexistência de coluna vertebal! Assim a minhoca chegou aonde quis.   A terra, húmida e fria, parece ter sido feita para ela dar azo às convicções ambíguas.   A terra é dela.   E o mundo não será um grande amontoado de terra, cercado pelo mar?